miércoles, 11 de enero de 2017

e quando um dia, numa hora por ti não esperada, os filhos dos nossos filhos por mim perguntarem, levanta os braços, abraça o céu e diz -lhes que estou por aí



   Rapinado do blog Tempo contado. ( Rentes de Carvalho)
"...e quando um dia, numa hora por ti não esperada, os filhos dos nossos filhos por mim perguntarem, levanta os braços, abraça o céu e diz -lhes que estou por aí. No azul das fragas, no cinzento das pedras, no verde das ervas onde o milagre  da criação perpetua a vida, e o tempo do nunca corre na eternidade de todos os tempos. Que as tuas lágrimas não ensombrem seus olhos de meninos. Que o tremor da tua voz não lhes cale os hinos ao futuro de todas as esperanças, ao contentamento de todas as conquistas. Ergue a cabeça e junta à deles a tua e a minha voz.
Com eles celebra a vida. O cântico das marés, o brotar do dia nas cumeeiras das serras, o abrir de asas dos milhafres em voos rasantes aos campos de milho, os gritinhos vermelhos das papoilas nas searas ébrias de sol.
Conta-lhes como eu, filha dos montes, altos montes, atrás dos montes concebida e gerada,  deixei meus pés aí lançarem raízes e nas mãos tomei a lonjura de outras terras, de outras gentes.
Não lhes fales agora da minha dor. Que sejam eles, por enquanto, estranhos às minhas trevas, às minhas renúncias, à minha nesga de firmamento que o meu sofrimento me negou.
Não contes, para já, aos filhos dos nossos filhos como, acossada pela peleia entre a morte e a vida, pedra a pedra, angústia a angústia, dentro de mim um eremitério construí. Refrigério de esmigalhadas forças em esforçados sorrisos, alento, alor para seus pais, nossos filhos..."
….
Este texto de Maria da Piedade Barroso Martins, autora inédita, chegou-me sem título. Atrevi-me a baptizá-lo " O cântico das marés", partilho-o com a emoção que provoca um texto  desta qualidade.

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